A Alma tem cor?por Larissa Smeraldi"Gostava do Michael Jackson quando ele era negro."
Quando Michael Jackson se foi, vi declarações
de vários artistas que se diziam fãs do seu trabalho e lamentavam a perda do maior astro Pop de todos os tempos.
Infelizmente,
alguns faziam coro ao pensamento modelado pela Mass Media e diziam a
frase infeliz, que se repete na boca de algumas pessoas: “eu gostava do
Michael Jackson quando ele negro”.
Essa frase me deixa profundamente decepcionada com a inteligência do ser humano.
Apesar de ser fato público e notório que MJ sofria de uma doença
chamada vitiligo, que destrói a pigmentação da pele, apesar de ter
lutado para manter a cor ( depoimentos de sua maquiadora pessoal Karen
Faye confirmam isso, fotos da época Thriller nas quais ele aparecia com a
pele já salpicada e manchada pela doença), por ser uma figura pública e
ter que lidar com a questão da imagem, ele teve que optar em ficar
parecido com uma vaca holandesa, ou então tonalizar de vez a cor de sua
pele, que diga-se de passagem, jamais se tornou branca, mas sim um
rosáceo, ocasionado pela despigmentação.
Não sei se vocês já
conheceram uma pessoa afetada pelo vitiligo: não é coisa bonita de se
ver; e você tem uma impressão dolorosa, achando que a pessoa foi
atingida por uma bomba ou queimadura severa, principalmente quando a
pessoa possui pele negra. Pergunto sempre quando encontro uma pessoa
assim, se ela faria tratamento para ficar com uma cor só, e a resposta
óbvia: claro! Porque uma pessoa com vitiligo não é bem vista no mercado
de trabalho, cada vez mais preocupado com a aparência.
A
humanidade ainda precisa evoluir muito para entender certas coisas.
Sempre que me encontro com outros fãs, destaco que o fato de MJ ter sido
afetado pelo vitiligo foi uma forma de desmistificar a doença, de
mostrar a sua humanidade frágil.
Mas o que vende revista e
jornal não é dizer o positivo, o que vende é dizer que ele era um
racista que queria ser branco, a qualquer custo. Isso se sedimentou
ainda mais por causa das cirurgias plásticas, que são um capítulo a
parte, acho que ainda vou escrever sobre isso.
Quantas pessoas com vitiligo passaram a ser vistas de forma diferente depois da entrevista com Oprah Winfrey nos anos 90?
Mesmo assumindo publicamente a doença, mídia fechou os olhos e tapou os
ouvidos de muita gente, inclusive pessoas inteligentes e cultas que
mastigaram a idéia de que Michael Jackson renegava sua origem étnica. Se
assim fosse, jamais ativistas negros notoriamente conhecidos seriam
amigos ou associariam-se à ele: Nelson Mandela, Spike Lee, Rev. Al
Sharpton, Jesse Jackson, entre outros.
O que me espanta é
escutar esse tipo de frase e pensar: o que quer dizer com negro? A
música dele mudou por ele ter mudado tonalidade cutânea? A voz que canta
em Off the Wall é a mesma que canta em Invincible… São produções
diferentes, épocas diferentes, mas o espírito criativo é o mesmo!
Fico triste não somente por ser fã dele, mas por perceber que as
notícias que a mídia divulga criadas, geradas pela desenfreado
consumismo, são aquelas que permanecem na cabeça do mundo. Ontem, estava
assistindo um excelente documentário sobre John Lennon, algo que sempre
achei que deveria ser feito, sobre a perseguição dos EUA contra ele.
Como Lennon era pacifista, os EUA no auge da guerra do Vietnam queria
expulsá-lo por denunciar a grande asneira do governo Nixon, uma
patifaria sem fim, que culminou na morte de 50 mil jovens americanos e
outros tantos milhões de vietnamitas. Assistindo o documentário, percebo
que até mesmo os seus opositores confessaram terem tido a opinião
errada sobre suas atitudes. Lennon foi taxado de maconheiro, criador de
problemas, baderneiro, e estrangeiro que ameaçava a segurança nacional.
Tudo que Lennon estava pregando era a paz, o fim de uma guerra inútil,
apoiando os movimentos que queriam uma Estado mais justo e menos
desigual.
Eu espero que um dia, talvez daqui a dez anos, alguém
tenha a brilhante idéia de fazer um documentário sobre a perseguição da
Mídia, de algumas entidades civis, e até mesmo de algumas autoridades
como por exemplo, o promotor de justiça, Tom Sneddon contra MJ. Porém,
infelizmente, isso não vai reparar todo a dor que foi causada à Michael.
Não vai reparar todas as vezes que foi acusado de racista, de ter sido
escrachado em praça pública, de ser apontado como aquele que tinha
vergonha de suas raízes…
Nem mesmo vai curar as dores dos
corações dos fãs, que sempre foram ridicularizados por declararem seu
amor, por defenderem MJ nas rodas da sociedade. Quem de nós nunca sofreu
bullying por ter sido fã de Michael Jackson?
Tenho pena dessas
pessoas famosas que dizem gostar de um Michael Jackson quando era
negro, sendo que ele nunca fez transferência de sangue, nunca fez
transplante de espírito, sendo que essa coisa imaterial e belíssima que
possuímos, é o que fez dele tudo o que ele representa no cenário da
música: a alma genial.
A pergunta que fica é aquela mesma que combate o racismo: alma tem cor?
Fonte: [Facebook] Michael Jackson Portugal: O Eterno Rei