Comigo, as coisas não são normais. Eu não entrevistei o Michael
Jackson (quando ele rodou um clipe no Brasil, em 1996), foi ele que me
entrevistou. Eu o acompanhei quando gravou na Bahia e fiquei negociando
para ver se ele falava comigo. Estávamos no Pelourinho e o Michael viu o
carinho do povo comigo, então, disse que conversaríamos no Rio. Quando
chegamos, subi a favela e a gente ficou conversando uns 20 minutos. Ele
me perguntou como tinha sido o meu início. Contei que vim de uma família
pobre, mas que tinha conseguido estudar. Ele queria saber se não havia
discriminação e racismo no Brasil. Respondi que sim e ele ficou muito
interessado em saber mais. No pouco tempo que fiquei com ele, tive um
vislumbre do ser humano bacana que era. Vi o seu braço e pedi para
passar a mão. Ele tinha uma pele muito fina e dava para ver que o corpo
era todo tomado pela doença, o vitiligo.
Como tinha pouquíssimas partes mais escuras, realmente seria mais
fácil clarear o pouco que restava de escuro. Aí, notei um buraco no
nariz dele e vi que ele ficava sempre com uma gaze tampando. Perguntei o
que era aquilo e ele disse que foi consequência da segunda cirurgia que
fez, porque tinha um desvio de septo e que, por causa disso, ficou com
uma infecção crônica no nariz. Naqueles poucos minutos, alguns dos tabus
que todo mundo tinha, para mim, acabaram. Fiquei triste comigo mesma
por ter entrado nessa história que todos comentavam sobre o seu
embranquecimento, por ser uma coisa alheia à vontade dele.
Quando Michael terminou a gravação, fiz a passagem e ele ficou
quietinho, humilde e com cara de bobo, esperando eu falar, mas sem
entender nada do que eu dizia. E fez a declaração, dizendo
“Eu amo o Brasil”.
Foram várias surpresas em um encontro curto. Vi que era uma pessoa
frágil, simples, sem frescura. No final, ele me puxou, me abraçou e me
beijou. Aquele mito de que ele dormia numa bolha caiu. Eu estava imunda,
cheirando mal, e ele me abraçou sem nojo, sem restrição.
O que me impressionou muito foi o olhar dele, de tristeza, o tempo
todo. Só vi o olho dele brilhar, parecendo criança, quando estava com o
Olodum. Michael pulava, corria de um lado para o outro, no Pelourinho. O
Spike Lee, que era o diretor do clipe, nem o dirigiu, só captou a
espontaneidade dele.
Fui pega de surpresa com a notícia da morte do Michael. Tive uma
sensação de tristeza profunda. Ele foi um ser humano que não conseguiu
ser feliz, não conseguiu ter serenidade na vida, apesar de ser um ídolo
mundial. Todo mundo sabe que a vida dele, desde que nasceu, foi puro
sofrimento. Esqueceram a pessoa que estava ali e, pelo menos para mim,
ele demonstrou ser muito generoso. Para mim, ele não foi só um ídolo,
pois já gostava da música dele na época dos Jackson 5, mas, como ser
humano, sempre me intrigou. Eu tenho identificação de alma com ele.
Somos duas pessoas que, cada uma à sua maneira, conseguiram vencer.
** DEPOIMENTO DE GLORIA MARIA DADO À REPÓRTER LUCIANA BARCELLOS
Fonte: http://revistaquem.globo.com/Revista/Quem/0,,EMI79694-8214-3,00-O+MUNDO+DE+LUTO.html