Milhares de tietes venderiam a alma para esfregar o chão da suíte presidencial do hotel Sheraton Mofarrej no lugar da arrumadeira Gildete da Silva Santiago. No último dia 14, chamada para acabar com uma meleca de balas e refrigerantes espalhados no recinto, ela passava um pano úmido pela principal sala do apartamento 2201.
Concentrada na tarefa, Gildete, 42 anos, tomou o maior susto de sua vida. Era ele! Depois de uma visita curta e tumultuada à fábrica de brinquedos Estrela, Michael Jackson resolveu voltar mais cedo. Foi aí que deu de cara com a arrumadeira. “Fiquei com tremedeira e uma vontade louca de abraça-lo”, lembra a funcionária, que recebeu do ídolo um sorriso de recordação. “Ele é uma gracinha, nem parece de verdade”.
Enquanto batalhões de admiradores mantinham um incansável plantão na porta do hotel, sonhando com um simples aceno da janela (um garoto mais ousado tentou invadir o prédio pela tubulação do ar e acabou preso no almoxarifado), os empregados do Mofarrej tiveram seus fugazes privilégios. Poucos dos 160 funcionário, é verdade, conseguiram ver o cantor de perto. Durante seu cinco dias de permanência em SP, os seguranças montaram uma barreira intransponível na porta do elevador com acesso à suíte que ocupa todo o 22 andar. Lá, nos 750 metros quadrados, o equivalente a 14 quartos normais – são 2900 dólares a diária -, Michael e as 3 crianças que o acompanham pelas viagens da turnê Dangerous bebiam refrigerantes, empanturravam-se de doces e brincavam dentro de uma cabaninha de camping, que ele mesmo mandou comprar.
Por causa dessa distância, quem chegou perto do hóspede inacessível faz questão de exibir o troféu. O mordomo , Pedro Biasa, 24 anos, circulava na semana passada com a foto tirada ao lado de Michael. “Levanta o moral aparecer com ele”, exultava o funcionário, um dos únicos a conseguir essa graça. Se não quis posar para muitas pessoas, ao menos o cantou deixou vários suvenires no hotel. Os objetos serão doados à Santa Casa de Misericórdia, que os deve leiloar em breve. Ele esqueceu na suíte – ou jogou fora – uma camiseta e um pé de meia usado. Deixou também uma toalha de mesa em que rabiscou um rosto, escreveu Heal the World e assinou seu nome. O pintor Salvador Dali tinha igualmente o costume de desenhar em toalhas de bares e restaurantes. Às vezes a levava embora, às vezes a deixava lá mesmo como forma de pagamento da conta. Michael Jackson presenteou a sua ao hotel, mas seus assessores acertaram as despesas na saída. Entre diárias e serviços de quarto, as setenta pessoas da sua comitiva desembolsaram mais de 100.000 dólares na caixa do Hotel.
Na suíte ocupada pelo astro, já dormiram, entre outros, a cantora Tina Tuner e o ex presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev. Trata-se de um complexo com três suítes, duas salas, um escritório e uma cozinha. Ali a diária mais barata gira em torno de 300 dólares. “Hospedar gente do nível de Michael Jackson ajuda a divulgar nossos serviços e a qualidade do apartamento presidencial”, considera Alan.
Essa propaganda teve um preço. As telefonistas do hotel quase ficaram loucas com o número de trotes. A cada minuto, eram feitas até 6 chamadas de fãs que imaginavam ser possível falar com Michael Jackson. Muitos se identificavam com nomes de pessoas famosas. “Xuxa” ligou incontáveis vezes. Assim como sua empresária "Marlene Mattos”. Um anunciou-se como assessor do presidente Itamar Franco. Outro imitou o vozeirão do prefeito Paulo Maluf. Claro que os truques não funcionaram. Os quatro ramais instalados no apartamento 2201 estavam bloqueados. Duas linhas diretas, uma delas para fax, foram instaladas na suíte. A encarregada de telefonia Rose Santos, 33 anos, era uma da únicas pessoas com acesso ao número, de prefixo 253, que fazia soar o aparelho na cabeceira do cantor. Certa noite, a telefonista bilíngue não resistiu à tentação. Ligou para lá, dizendo ser uma fã. Conversaram durante 2 minutos. “Ele tem uma voz infantil”, conta Rose, que tremia ao telefone. “É supersimpático, perguntou minha idade e se eu iria ao Show”.
Houve quem chegasse mais perto ainda. Na noite de sábado, véspera do último show na cidade, a lavanderia do hotel recebeu um lote de roupas da suíte presidencial. Para Vera Helena Pereira, 37 anos, uma das funcionárias do departamento, não havia dúvida da procedência daquelas sete camisetas, três pijamas, dois pares de meia e quatro cuecas. “É lógico que eram do Michael”, assegura. Para que já cuidou das roupas de Julio Iglesias e Rod Stewart, entre outros, as peças de Michael não causaram frisson. “Eu esperava mais”, afirma Vera. “As cuecas brancas dele podiam ser mais novinhas”.
A exemplo das roupas íntimas, certos hábitos do cantor decepcionaram quem esperava no mínimo uma bolha de isolamento dentro do quarto. Michael Jackson trouxe a São Paulo um cozinheiro particular, o italiano Sadhana Khalsa, mas não pediu nada de outro mundo no cardápio. Sua dieta básica era frango e batatas fritas, acompanhado de arroz japonês. Como qualquer ser humano, na noite do dia 16 descuidou-se e trancou o quarto com a chave dentro. A supervisora de andares, Maria Ferreira de Oliveira, 46 anos, foi convocada para resolver o problema. Encontrou-o sem maquiagem e de cabelos presos. Vestia um singelo pijama azul-marinho, com estampa de bichinhos. “Fiquei tremula, não sabia o que fazer, diz Maria, que lembra ter escutado um thank you pelo seu trabalho. ”Se eu falasse inglês, pediria um autógrafo naquela hora, lamenta-se. Fica para a próxima.
Fonte: Revista Veja, em 1993