As pessoas não sabem como são as coisas para mim. Ninguém sabe, realmente. Ninguém deveria julgar o que fiz com a minha vida. A não ser que tenham calçado os meus sapatos em cada dia horrível e cada noite sem dormir.” – Michael Jackson, 1995
Como já é de praxe, a última aparição do megastar Michael Jackson causou furor nos demais grupos de discussão destinados aos seus fãs na web. O Rei do Pop visitou uma livraria em Los Angeles na véspera de Ano Novo, com um sobretudo por cima de um suposto pijama (este só fui notar após os comentários aflitos e desesperados de alguns fãs), sua usual máscara cirúrgica, óculos de leitura e chapéu. Nada de extraordinário para quem acompanhou Jackson em algum momento dos últimos 15 anos. Qual seria a polêmica então? Ora, a polêmica é que, apesar do comportamento de Michael Jackson já ser previsível, de tais aparições não constituírem nenhum fator anormal à sua trajetória nas últimas duas décadas, ele não deveria persistir em tais ações pela sua carreira e pelo bem de sua
“imagem”.
Ora bolas, ao homem que foi perseguido por rumores de inocente infantil por uma década, acusado e julgado por supostamente ter cometido tais crimes, uma aparição em uma livraria trajando pijamas, logicamente, ocasionará a ruína de sua
“imagem”. É de imaginar se tal argumentação tão pobre é advinda da ignorância da desinformação (possível) ou simplesmente da desaprovação descabida ou envergonhamento causado pelas atitudes do ídolo (provável). Analisemos então a primeira proposição.
Uma série de eventos em 2002 ajudaram na derrocada da
“imagem” já fragilizada de Michael Jackson perante a grande mídia, culminando com o documentário de Martin Bashir no início de 2003. O estrago ali foi tão grande, muito mais pelo cinismo da mídia em geral em distorcer deliberadamente as palavras ditas no especial por Michael do que pelo próprio documentário em si (muitas pessoas, como eu, se tornaram admiradoras do homem Michael Jackson a partir dali), ao ponto de Jackson lançar um documentário-resposta e filmar
“Private Home Movies”, na tentativa de humanizar-se com o público. No dia após a exibição de
“Living With Michael Jackson”, as vendas de discos do cantor aumentaram 1000% no Reino Unido, segundo maior mercado fonográfico do mundo. Naquele mesmo ano, quando ele foi preso,
Number Ones, coletânea de sucessos com uma gravação inédita, cuja promoção maior (videoclipe) foi suspensa, chegou ao topo da parada britânica vendendo 4 milhões de cópias no globo em pouco mais de um mês. No ano de 2004, antes da absolvição do cantor, ele vendeu cerca de 1.1 milhão de cópias entre CD’s, DVD’s e VHS’s nos Estados Unidos, segundo a Nielsen Soundscan. Mais do que o dobro de popstars como Madonna (473,570 cópias), Mariah Carey (425,890 cópias) e Cher (508,660 cópias). Mais recentemente,
Thriller 25th ocupou o posto de 16º álbum mais vendido no mundo em 2008 – 2,3 milhões de cópias vendidas. Trata-se de um relançamento sem preocupações com singles, videoclipes, aparições na TV e shows promocionais, que ficou à frente de discos de inéditas de Beyoncé, Usher e Chris Brown, alguns dos considerados
hot acts da atualidade, e não tão atrás de lançamentos como Rihanna (3,7 milhões de cópias) e Madonna (3,2 milhões de cópias), estes devidamente promovidos com singles, clipes e turnês. Prova-se então que o sucesso comercial de Michael Jackson independe de sua imagem pública e consegue ser ainda maior do que o de artistas bem vistos midiaticamente.
A tal preocupação do
fã com a imagem do ídolo, provada infundada em relação a um potencial inabalável de vendagens, não seria então, travestida, a preocupação com o olhar do outro em relação ao seu ídolo? A preocupação com a desaprovação ao desconhecido, ao intolerado… ao puro preconceito? Parte dos tais
fãs admitem de fato ser este o motivo. Boa parte, se não a totalidade deste grupo, que acusa Jackson de vagabundagem (como se os mesmos tivessem acesso à intimidade do dia-a-dia do Rei do Pop para manterem tão firmemente tal achismo), se consideram fortes candidatos ao cargo de Joe Jackson da vida adulta do cantor, considerando o mesmo tão
estúpido por agir desta ou daquela forma, porque eles agiriam dessa e daquela outra maneira, como se fossem eles, diletantes executivos do mercado fonográfico em sua imaginação, as cabeças por trás dos álbuns de vendagens milionárias e turnês de recordes de público não superadas. Afinal, vagabundo é Michael Jackson, e não quem gasta horas por dia, em
messageboards, ditando o que o astro deve ou não fazer.
É a desumanização do cantor, aos moldes da midiática, que invade as
fanboards ao mesmo tempo que não deixa de mitificar a superestrela pop. O fã quer que Jackson retorne musicalmente, triunfe e se coloque no topo do mundo como nos tempos de
Thriller para que ele, junto ao
moonwalker, triunfe também. É este um dos aspectos doentios da relação de alguns fãs com seus ídolos, e mais significantemente encontrado entre os fãs de um astro cujos números, performance e postura sempre remeteram a
poder. O fã, no entanto, não apenas necessita do retorno musical de Michael Jackson (por isso, em seus acessos durante a longa espera, põe-se a chamá-lo de
vagabundo), mas também que o comportamento do astro corresponda às suas expectativas. Ele deve agir de acordo com determinadas “regras” para que os “outros” não falem mal e o fã não se sinta contrariado, ou então até mesmo ultrajado e enojado em seu próprio preconceito, passando a odiar o objeto de sua adoração. Neste jogo de neuroses, uma questão torna-se fundamental: até onde vai o direito dos fãs em suas críticas aos ídolos?
Certamente que os fãs não são obrigados a concordar com todas as ações de seus ídolos. Mas até que ponto distingue-se a crítica da legislação doentia sobre a vida e individualidade do outro? Critica-se Michael Jackson por sair de pijamas e máscara cirúrgica. Compara-se o comportamento dele ao de quem perdeu o senso entre “certo” e “errado”. Publicações ironizam quando Jackson entra em seu carro e é fotografado um cartão com bebês que ele provavelmente ganhou de fãs. Faz-se claramente a ponte
excêntrico =
inocente sem grandes preocupações investigativas ou éticas que sejam. E tudo isto porque o astro saiu de pijamas e máscara cirúrgica! O quão atrasados somos!
Este pijama e especialmente esta máscara cirúrgica que, compondo o todo da aparição de Jackson, não constitui ruptura alguma da
imagem que ele construiu para si ao longo dos anos. Muito pelo contrário. É de uma força mística que, desnudado em sua vida pessoal com um julgamento por um crime considerado hediondo, Michael Jackson ainda conserve uma mítica sem parâmetros, quando até uma simples saída de casa, de pijamas ou não, é manchete internacional. É o que separa os mitos dos meros mortais e Michael Jackson, megastar
larger-than-life e último grande
song-and-dance man de uma geração sem ídolos. Charles Chaplin não era Carlitos, ambos se fundiam e se separavam. Michael Jackson é a criação de si mesmo, a obra integrada seja na mítica da vida ou na mítica do palco. Por isso você vê
covers do cantor se apresentarem de máscara cirúrgica apesar do mesmo nunca tê-la usado num palco. Um feito como o de Jackson só é comparável ao das estrelas do
star system da era de ouro de Hollywood, que tinham um estúdio inteiro ao seu dispor para promover o mito. Com Michael Jackson nunca irá acontecer um episódio à lá Madonna quando, num país onde se aglomeram por Calypso, a chamada Rainha do Pop teve três fãs a esperarem-na no hotel e, quando saiu na janela com os filhos, foi recebida com tudo menos histeria – alguns até debochavam-na gritando
“Xuxa”. E há fã que defenda que Michael Jackson deve sair e ser mais “social” como Madonna, como se sair na rua sem causar alarde, puramente por ter bebido por boa parte de sua carreira em fontes como Marilyn Monroe e Marlene Dietrich, estas sim mitos de verdade, sem se preocupar com a criação de uma mítica singular e original sendo, por fim, reduzida à diva entre tantas outras, fosse mérito algum.
Mas, deixando o lado artístico-popista da coisa, há ainda quem ache que Michael Jackson deve passar a se portar como uma pessoa
“normal”, embora me soe extremamente patético e ilusório a idéia de um mega-astro e mega-gênio, artista desde os 5 anos de idade, se portando como o dono da churrascaria da esquina. E o que definiria um comportamento
“normal”? Pijamas e máscara cirúrgica por acaso indicam perversidade? A verdadeira perversidade é o ódio à diferença, seja ele travestido de “preocupação” de fã ou não. O que acontece com Michael Jackson lembra-me muito a situação dos homossexuais. Pincela-se uma aceitação por parte da sociedade, fala-se em direitos, mas na TV há ainda aquela velha piada que, em segundos, reduz conquistas importantes ao vazio do riso debochado. O riso despreocupado sem qualquer resquício de humanidade. O riso da imbecilização generalizada. É este o riso o qual Michael Jackson tem sido vítima há décadas. E ao invés de cobrarem da sociedade mais respeito, mais consciência, mais compreensão e mais amor, cobra-se dele que se ajeite neste quadro, que cale seu espírito diferente, que reprima sua própria natureza para não desagradar o público e estas pessoas que tanto o amam e entendem… seus fãs!
Mas graças aos céus que um não-conformista autêntico como Michael Jackson não é de plástico e está acima desta mediocridade estúpida. E a estes
fãs, mais preocupados com o novo álbum ou, talvez, com quantas edições asiáticas de
Invincible já adquiriram, uma dica: aproveitem o leilão de Jackson que está por vir e arrematem os portões de Neverland! Caso não saibam, neles está inscrito:
Deus e meu direito. Vergonha àqueles que pensarem mal disto. Alguém aí falou em
Xscape?
por Bruno Couto Pórpora MJBEATS/EDICHYS